domingo, 8 de janeiro de 2012

( Máscaras ) Parte Final - Pudores


Então o fiz.
 A abracei pelas costas, enquanto ela guardava as coisas na mochila. Não esboçou nenhuma reação. Beijei-lhe o pescoço, descendo minhas mãos por sua cintura, e vagarosamente, a virei para mim. Tive de erguer seu rosto, deixa-lo frente ao meu, os olhos dela fechado, o corpo relutando. Encostei meus lábios nos dela, selando-os lentamente, segurando-a pelo queixo para impedi-la de virar-se, de recuar. E como quem se deixa vencer depois de uma batalha, ela enfim cedeu, entrelaçando a língua na minha, os olhos fortemente fechados. Suas mãos ainda estavam afastadas, escoradas na mesa de madeira, mas sabia eu que era questão de tempo para tê–la rendida, onde eu desejava.
Sem mais controle sobre meus movimentos e pensamentos, a empurrei mais para mesa, fazendo-a sentar-se desajeitada, ainda relutante, mas tão fraca que me pareceu haver uma batalha interna entre seu corpo e espírito. Senti suas mãos tocarem meu peito onde um coração pulsava tão forte que a qualquer momento me saltaria pela boca. Ela me empurrava, mas seus lábios colados aos meus só me faziam impulsionar, querer mais daquela que fazia de mim o moleque mais idiota da terra! Mas eu tinha de provar, tinha de provar que nenhum outro poderia faze-la tão bem, ninguém mais partilharia segredos escrotos ou conversas tão longas ao pé da noite.
Philipa comprimiu os lábios, fechando mais fortemente os olhos. Minha língua ansiava mais da sua... Porém nenhum toque a fizera ceder. Philipa estava parada, imóvel agora, como uma estátua! Um objeto. Engoli seco por um tempo mais, sem a devida coragem para encara-la.
 - Quando vai aprender, Henri? – a frieza de sua voz viera de encontro com a minha alma, me machucava mais do que suas lágrimas de sangue.
O silêncio que se fizera me obrigara a olhar para seu rosto. Seus lábios tremiam levemente, mas tentava manter a expressão. Sentia como se uma estante de livros caísse a minhas costas, o que me pouparia de encarar muito tempo seus olhos, tão maduros, quase irreconhecíveis a mim.
 - Eu só... não suporto a idéia, Philipa! – deixei que as palavras escorressem, sem mais me deixar levar por pensamentos que me levariam a esmurrar outro aluno qualquer. Quando me deixava guiar por meu anjo idiota interior, as coisas costumavam sair do meu controle. – Eu quero você!
 - Pensasse antes de me jogar no buraco! De achar que depois de tanta merda que fez, eu voltaria a acariciar seus cabelos, Henri... Vá se danar! – disse por entre dentes, passando a mão nos olhos, secando lágrimas pesadas, o peso recaindo-se sobre mim.
 - Eu me arrependo! Fico de joelhos diante da porca santidade que você acredita e me resigno perante a tudo que fiz. Me desculpo por Mérope, minha penitência está sendo cumprida de espontânea vontade! Vamos traze-la de volta! Por Nicolas, por Isabelle, por Andrej e por todas as vadias que levei pra cama, mas, por favor... Olhe pra mim! – me ajoelhei no chão, sem mais conter a ardência nos olhos, a sensação de derrota que muitas vezes sentira, com mais freqüência na infância. – Eu a amo! Posso ser um merda agora, mas estarei pior sem você, Philipa!
Por um tempo, ela permaneceu me olhando, os olhos brilhantes. Todo aquele silêncio ameaçava me esmagar, não acreditava que existia tortura maior. A porta dos meus dezoito anos, sairia do colégio naquela semana para nunca mais voltar. Cumpriria uma missão que poderia custar meu pescoço, mas estava disposto a ajudar e afogar o meu passado mesquinho. Parte de tudo era por ela, por Philipa. Mas ela balançou a cabeça negativamente enquanto se levantava, me olhando a seus pés agora. E sem mais uma palavra, saiu da biblioteca, deixando-me na companhia de um fantasma, quase um símbolo para eu lembrar-me da frieza de seus olhos.

Por A. Sade

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

( Máscaras ) Parte II - Philipa Swain



- Henri... mas o que...? – perdeu-se nas palavras então, levantando e me olhando.
- Michael Tompson.
Sua expressão não se alterou. Parecia ignorar qualquer raciocino.
Philipa permaneceu estática, empalidecera em minha mente. Em outras circunstancias, imaginaria as milhares de besteiras que estariam passando em sua mente, qualquer coisa relacionada a vampiros ou pessoas mortas, qualquer confusão que eu estivesse enfiado. Mas suas expressões aos poucos me davam a impressão de que sabia do que estava falando.
- Ainda estou esperando me explicar... – disse depois de um tempo em silencio. Cinismo.
- Não se faça de inocente, Philipa! – a respondi por entre dentes, batendo forte o punho na mesa, tentando conter-me para não gritar no meio da biblioteca.
- Para, Henri! – ele segurou em minha mão então, a que estava sangrando. Desvencilhei-a. Philipa arqueou as sobrancelhas. – Estamos numa biblioteca, e já temos detenções demais para tão pouco tempo. – fechou o livro que estava aberto em cima da mesa, levantando-se assim.
Me virei de costas a ela. O riso novamente me veio espontâneo, sarcástico. Os olhos de Philipa, tão claros como eram, não conseguiam esconder-me às coisas por tanto tempo. Mesmo sem mais vê-la, sentia seu olhar penetrar-me fixamente. Balançou a cabeça numa negativa, carregando os livros na direção de mais um corredor deserto, habitado apenas por um dos fantasmas que rondam o castelo.
Não demorou até que a seguisse. Enquanto minha namorada guardava os livros na estante indicada, eu esperava inquieto a seu lado.
- Podemos conversar, rainha do drama?
- Não fale comigo desse jeito. Não confunda as coisas, elas não são mais como eram antes. Há muito tempo mudaram, Henri Petterson, e você foi o culpado desde sempre! Satisfeito? – vi em seus olhos toda a magoa e raiva daquela noite que acordara da enfermaria do castelo, num misto de indignação.
Novamente quis afastar-se de mim. Desta vez a segurei, o sangue quase seco de Michael Tompson manchando o azul de seu capuz desajeitado. Seus olhos lentamente voltaram-se a minha mão. Enganara-se ao pensar que fosse meu, mas agiu da maneira que agiria se fosse tratar de um ferimento de Mérope, um dos tesouros que mais prezava. Com a ponta do sobretudo, limpou minha mão, sem olhar-me no rosto.
Baixei meus olhos. Qualquer um diria a mim que ela teria o direito de transar com quem bem entendesse. Que eu era um canalha maldito agindo por puro interesse de poder. De fato. Mas as coisas mudavam quando eram sobre Philipa. Não era amor, não sabia o que significava, nunca o havia sentido. Por mais que apenas seus toques me fizessem arrepiar, sua voz me fizesse render e seus olhos me cegassem. Apenas tinha de tê-la em meus braços, independente de quantas outras pudessem passar por eles, era a sua alma que precisava sentir recostar-se na minha quando nossas vozes ecoavam juntas céu afora, por entre gemidos e palavras espontâneas, as quais prefiro pensar serem apenas agrados de minha parte para que ela sempre ficasse por perto.
E pareciam funcionar. Lentamente, passei a mão sem todo aquele sangue em seu rosto, os olhos dela ainda guiados para outra direção que não os meus olhos. Entrelacei meus dedos por entre seus cabelos enrolados, fazendo-a suspirar. Não poderia suportar a idéia de que outras mãos haviam tocado aquela pele, tão minha. Fantasiava imagens na cabeça. De santa Philipa àquela puta que se deitava com meus companheiros, honrava o papel da bruxa medieval que sempre dissera ser. Fechei meu punho, a mesma mão que agora segurava com força seus cabelos, a trazendo para mais perto, os lábios próximos.
- Diz pra mim! Diz pra mim que não é verdade, que você e o filho da puta do Tompson não estão tendo um caso embaixo do meu nariz! – não mais conseguia esconder minhas expressões, implorava sem palavras para que ela me dissesse que não, mas meus gestos brutos indicavam o sim.
Agora seus olhos haviam encontrado os meus. Se me deixasse levar, perderia-me naquele azul. Desviei-os então.
Lentamente, ela afastou minhas mãos de seus cabelos, dando um passo para trás. Não me respondeu, apenas voltou a mesa onde havia deixado o resto de seu material, a lamparina acesa. Algumas mesas à frente, um fantasma qualquer virava as paginas de algum livro irritante, o som juntava-se aos de seus passos. Senti que se não fosse novamente atrás dela, Philipa não mais voltaria.

(...)
Por A. Sade